Uma
filha mata a própria mãe, demente. E diz que, no fim das contas, isso não
pareceu tão difícil de realizar. Esta é Helen, protagonista de Quase Noite,
outro livro de tema denso de Alice Sebold. Esse livro conta as 48 horas da vida
de Alice, entre acontecimentos do presente e lembranças de seu passado, o que a
levou a cometer o matricídio, e como ela se comporta desse momento em diante. O
livro, desde início se mostra chocante, e o que disse até agora está longe de
ser um spoiler, veja a abertura da
leitura:
No final das contas, matar minha mãe foi bem fácil. A demência, conforme desponta tem o poder de revelar o âmago da pessoa afetada. O âmago de mamãe era podre como a água fétida de um vaso de flores mortas. Ela era bela quando meu pai a conheceu e ainda capaz de amar quando eu, filha temporã, nasci. Mas, naquele dia, ao me encarar com seus olhos vidrados, nada disso importava mais
Portanto, logo se vê que não é fácil nutrir
qualquer simpatia por Helen. Mas, não se engane, porque a mãe, em estado
avançado de demência, sem controle de suas funções fisiológicas, era
extremamente cruel, também não é fácil de ser digerida.
Assim que mata a própria mãe, liga para seu
ex-marido e confessa. Daí em diante Helen parece fora de si, e seu
comportamento não ajuda, mais uma vez, a nutrirmos simpatia ou compaixão por
ela. Primeiramente, vai à casa de uma amiga e faz sexo com o filho dela. Depois,
vai ao trabalho, sabendo que, naquele momento, a polícia provavelmente está
descobrindo o corpo de sua mãe. Algumas lembranças de seu passado vão surgindo,
e mostrando um pouco da vida de Helen e, talvez, dando pistas sobre o motivo do
assassinato. Algumas pinceladas sobre a os sentimentos que tinha, quando
criança, pela mãe, que foi uma mulher bela e cobiçada, porém distante. Os
primeiros sinais da demência, e talvez de depressão e síndrome do pânico, que
afastaram mais ainda a capacidade de aproximação entre mãe e filha, o abismo
sentimental que foi se formando entre elas. Há também a visão de Helen sobre
seu próprio pai, a admiração profunda que tinha por aquele homem, e que a
impediu de enxergar que também era ele, disfuncional, e com sérios problemas. O
amor que o pai tinha pela mãe não dava abertura para uma internação ou
tratamento, já que ele era extremamente condescendente com sua mulher.
Helen foi, durante toda sua vida, incapaz de
viver por si mesma, sempre fazendo algo por alguém. E se viu obrigada
moralmente a cuidar de uma mãe pela qual tinha sentimentos ambíguos.
O livro possui falhas, ao meu ver. Algumas
vezes fica arrastado, e há uma escassez de diálogos que, talvez, torne a
leitura meio cansativa, para alguns. As idas e vindas não são tão bem amarradas
quanto às de alguns autores, o que também contribui para a dificuldade na
leitura. Mas é corajoso ao expor temas que geralmente jogamos para debaixo do
tapete. Até onde realmente vai o amor entre pais e filhos? Isso é algo natural?
E, independentemente da resposta, muitas vezes, o cuidado que temos não é
natural, algo que fazemos espontaneamente, mas sim fruto de uma imposição
social e cultural. Quantas coisas fazemos ou deixamos de fazer porque alguém
pode achar alguma coisa? No fim das contas, a protagonista tinha estrutura
psicológica antes e quando cometeu o crime? Seja qual for essa resposta, ela merece
nossa compaixão?
Parece ser muito bom, vou procurar pra comprar aqui *-*. Adorei o blog.
ResponderExcluirÉ bom pra pensar nessas relações famíliares, sabe? volte sempre! bjo
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