quinta-feira, 13 de junho de 2013

Precisamos falar sobre o Kevin - Lionel Shriver - Desafio Literário 2013





Um soco no estômago. 

Poderia parar por aqui e dizer para você que ainda não leu o livro: Sim, leia. Mas, vamos falar um pouco mais sobre o livro, afinal, não ia escrever um textinho pequeno e porco desses sobre um livro tão bom.

Atenção, se você vive na lua, e acha que até informações da orelha do livro ou de sua contracapa são spoilers, saia fora agora. Caso contrário, fique tranquilo pois não vou dizer mais do que o normal:

O livro é composto de uma série de cartas que Eva escreve para o marido. As vezes são devaneios, conjecturas, outras vezes ela narra fatos, conta ao marido, finalmente alguns segredos. Tudo isso para tentar desvendar os motivos, tentar entender o que levou seu filho Kevin a cometer um assassinato em massa em seu colégio. Nessas cartas, somos apresentados ao cotidiano dela, antes e depois de Kevin.

É aterrador perceber que, num olhar mais cuidadoso, o filho deles realmente não parecia normal. Mas veja, como dizer à alguém que um bebê não é normal... mentalmente? Como convencer as pessoas de que aquela sombra, aqueles comportamentos não são adequados, não são mera birra infantil?
Uma criança pode ser má? Pode nascer má? Teria sido responsabilidade dos pais? 

Eva admite que, por ela, não teria engravidado. Muitas vezes diz que assume, foi uma mãe ruim. A culpa seria dela? Franklin, o pai, por sua vez, só imaginava sua vida como sendo completa com o filho. Por isso Eva cede. E não admite que levantem suspeitas sobre seu filho, encarna o protótipo idealizado de qualquer pai: gosta, participa, presenteia, ama. Mas, mesmo amando tanto e, mesmo ganhando muito menos que sua mulher, ele quem diz que a mulher deve ficar em casa para cuidar do filho. Que devem se mudar para um lugar maior, etc. Ele errou? Mas, quem é perfeito na criação de um filho? E mesmo que fossem, Kevin teria agido diferente?

Eva percorre essas questões, num monólogo, e admito, em algumas partes ela se alonga demais, e há trechos do livro que isso fica até meio chato. Mas talvez seja proposital. Imagine-se longe da família, com um filho assassino, numa cidade onde todos parecem ser hostis ou pior, te odiar? Diante de tamanho isolamento, ao ter a oportunidade de falar, você não se excederia?

Embora muita gente não goste de Eva, devo dizer que eu, pelo menos, gostei. Talvez o fato de não querer ter filhos me faça entender aquela mulher melhor do que alguém que ache que maternidade é sagrado, e amor entre pais e filhos, natural. Obviamente, ela é dura, durante muitas vezes, mas não consigo condená-la, como alguns fizeram. Tendo um filho daqueles, não sei o que teria feito. Por outro lado, me irritei profundamente com a figura paterna. Para mim, um daqueles tipos que, por trás do viés doce, esconde um tipo tirano, mimado e manipulador. Lembrando sempre que enxergo os fatos narrados apenas pelos olhos de Eva, que podem estar viciados...

Se bem que o amor quase ignorante que ela nutre pelo marido era o que mais me irritava nela... como pode ceder tanto e não obter nada, e mesmo assim seguir, cega, amando aquela pessoa que está matando tudo o que você é? 

Já sobre Kevin... acho que só ele (ou nem ele) se entenderia.

Por fim, confesso que durante algumas partes do livro ficava perplexa ao descobrir mais uma faceta má de Kevin criança e, em outras, só queria saber quando Eva narraria os acontecimentos daquela quinta na escola. Se bem que, mesmo sabendo o que aconteceria, há fatos que nos pegam de surpresa. E fiquei chocada com o tamanho da crueldade que Kevin proporcionou.

Recomendo fortemente o livro, que agora está no topo das minhas preferências. Sempre quis ler, mas ou o livro estava em falta, ou achava caro, ou o pessoal do Skoob estava exigindo 2 créditos quando eu só tinha um... e quando o filme saiu, fiquei naquela birra de não assistir antes de ler, o que achei uma decisão sábia. Finalmente li o livro, e ontem, antes de escrever a resenha, vi o filme.

Para variar, acho o livro melhor que o filme, mais profundo, embora ele seja mais pesado no antiamericanismo.  Mas isso não significa que o filme seja ruim. Pelo contrário. É bom demais. Não poderia haver Eva melhor que Tilda Swinton, que além de parecer fisicamente com o que imaginei, atua num nível, numa densidade impressionante. É perfeita para o papel. Destaco também o ator que interpretou Kevin quando criança. Achei o olhar daquele menino chocante. Recomendadíssimo também. 

Só um aviso: Não leia/veja o livro/filme meio deprimido. Olha, como disse no começo, escrevi esse tanto, mas poderia ter parado na primeira frase: um soco no estômago. Esteja preparado.

Ps 1: Tilda Swinton foi solenemente ignorada ao Oscar de melhor atriz, embora não veja uma alma sequer falar mal do mesmo
Ps 2: O filme é dirigido por Lynne Ramsay, uma rara mulher diretora
Ps 3: Quem escreveu o livro também é mulher, embora muitos achem que é homem, por causa do nome (Lionel)


8 comentários:

  1. Nossa eu adorei sua resenha parabéns não ficou nenhum pouco porca kkkkk, eu estou doido para ler esse livro já faz um tempo mas por tudo o que você disse quero me preparar mentalmente, beijos !!

    http://euvivolendo.blogspot.com.br/ ( comenta lá :D )

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    1. Obrigada, Gabriel! Que bom que você gostou! Realmente, o livro é muito bom, mas prepare-se.
      Vou visitar seu blog agora mesmo :)

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  2. Também li esse livro pro Desafio e gostei muito da sua resenha. Também gostei muito de ter feito essa leitura e concordo com os pontos que vc levantou. Achei interessante sua análise de que às vezes o texto parece cansativo porque ela precisa desabafar, a impressão que tive é mesmo de que as cartas são o meio que ela recorre pra tentar entender tudo que aconteceu desde o nascimento de Kevin. Muito polêmico, essa questão da maternidade é tratada de um jeito muito distante do idealismo a que estamos acostumados...

    Bom, é isso. Até mais!

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    1. Oi! Achei a nossa escolha para o desafio literário muito boa, hahahaha. Excelente livro, não é fácil, mas um dos meus tops agora. Vou visitar seu blog! bjo

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  3. Olha, ultimamente eu tenho lido muitas resenhas, críticas, e fiquei estarrecida com a qualidade dessa. Deu pra perceber que você realmente leu o livro (o que tem ficado cada vez mais raro, infelizmente...) e gostei muito das nuances das reflexões...

    E foi outra surpresa agradável ver a referência ao Escreva Lola Escreva no final!

    Como faço para entrar em contato com você? Gostaria de fazer um convite... :) Pode me enviar um e-mail em jpiesco@falacultura.com ?

    Abraços!

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  4. Tbe li este livro no desafio e adorei sua resenha!
    Muito boa mesmo.
    Bjks mil

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